Apertem o cinto e coloquem o capacete, pois vamos iniciar uma viagem pelas etapas do Rali das Tascas. Por montes e vales, macadame e alcatrão, curvas e contracurvas, ganchos apertados e longas rectas, tudo nos pode acontecer e grandes surpresas nos aguardam.
Corria o Ano da Graça do Senhor de 1999. Sentado à sua secretária, na grande empresa de que era, e é, um dos quadros mais admirados (qual Matisse em sala de jantar de banqueiro famoso), o mentor desta aventura pensava no fim-de-semana que estava à porta e na forma de o começar da melhor maneira. Era sexta-feira e não tinha nada de especial para fazer naquele fim de tarde de um Outono quase primaveril. E se fosse beber um copo com uns amigos? Veio-lhe à ideia aquela tasca na esquina do bairro que o tinha visto nascer, a qual também deveria ter uns bons petiscos, pelo menos a julgar pelos odores que chegavam à rua quando por lá passava à porta. Foi assim que foi congeminada a primeira etapa do Rali as Tascas. Nasceu da mente e do palato de um aveirense dos sete costados e foi apadrinhada por um grupo de amigos do dito cujo, leia-se aqui do aveirense, do copo, ou do petisco, conforme o gosto e a sensibilidade de cada um.
Uma das regras de ouro, senão a principal deste Rali das Tascas, é a de que cada etapa deve decorrer num local diferente. Pode parecer difícil de concretizar, ou até mesmo desnecessário, mas esse facto justifica-se e é uma das essências do sucesso e da longevidade desta iniciativa. Poderíamos argumentar que a novidade é mais interessante e estimulante que o mais do mesmo. Mas sendo esse mais um facto que um argumento, não será porventura o mais importante neste caso. Em primeiro lugar, pensem no espírito de aventura e na capacidade de encaixe que é preciso ter ao arriscar entrar num local completamente desconhecido, por vezes de aspecto exterior duvidoso, dispostos a tudo por um copo de alguma coisa e um prato de quase nada. Imaginem a surpresa do responsável de um estabelecimento quase às moscas, quando vê entrar pela porta um magote de vinte potenciais clientes. Agora imaginem a surpresa dos participantes na etapa, quando nem um punhado de amendoins há para trincar e o vinho da casa sabe a corantes e conservantes. Ou então a situação inversa, em que uma impressão inicial que fazia prever um descalabro total, acaba por dar lugar a uma etapa memorável em que se come e bebe do bom e do melhor. Pensem também na pequena mas esforçada contribuição que é dada na divulgação de espaços injustamente desconhecidos e quiçá à beira da falência e do encerramento de portas. Pensem na réstia de esperança que dias melhores virão e que afinal a salvação ainda é possível, que passa pela cabeça dos proprietários dos mesmos, mesmo que nenhum dos presentes faça a mínima intenção de lá voltar ou o recomendar a amigos e conhecidos.
Depois temos a dimensão cultural, a qual fica sempre bem salientar neste tipo de iniciativas. Seja pela divulgação das tradicionais tascas, tão características do nosso querido Portugal profundo e genuíno, seja pelo ambiente de autêntica tertúlia que se vive na esmagadora maioria das etapas. Se a preservação dessas tascas, tabernas e botequins, são importantes para a própria salvaguarda do nosso património cultural e gastronómico, a tertúlia é uma das formas mais salutares de convívio. E essa tanto pode ocorrer num café, num snack-bar, num restaurante, numa pizzaria, numa churrascaria, num bar, ou num dos mais inopinados locais de uma já longa lista. Não podemos menosprezar a importância de termos um espaço onde podemos opinar sobre tudo, mesmo que não saibamos nada ou muito pouco do que estamos a falar, e onde seja possível desabafar e criticar tudo e todos, ou divulgar os segredos mais íntimos e escabrosos dos presentes e ausentes. Neste espaço de reflexão e partilha de ideias, temas como o sexo ou a chamada má-língua, longe de serem tabu ou motivo de censura, são quase obrigatórios e até se estimulam.
Este é o passado e o presente do Rali das Tascas. Como será o futuro? O futuro será o que o núcleo duro, liderado pelo seu incontornável mentor, quiser que seja. Tanto poderá passar pela institucionalização, criando uma já falada Confraria das Tascas, como pode simplesmente não sobreviver muito mais tempo e acabar por cair no esquecimento. Tudo depende da vontade de uns quantos e das próprias condicionantes da vida. De qualquer maneira, seja por muito mais tempo ou seja por somente mais uma única e derradeira etapa, que continue a ser um espaço aberto a todos os que vierem por bem, em que o humor, a amizade e os comes e bebes nunca faltem. Essa é a Meta deste Rali das Tascas.
Jorge de Carvalho
Parabéns pela excelente ideia do blog. Venham daí muitos posts e ainda mais visitas e comentários. Que o Rali dure muitos e bons anos, pois é sinal que ainda temos tempo para passar um bom bocado com os amigos.
ResponderEliminarArmando
Decorria o ano de 2001-20002, período em que realizei o estágio na Vulcano, tive a honra e o privilégio de pertencer à equipa do Rali das Tascas e que ainda hoje, confesso, me deixa alguma saudade. Deixo aqui o meu apoio a esta iniciativa, principalmente ao Pedro, e que continuem a cumprir a meta a que se propõem até que o vinho se acabe....
ResponderEliminarUm grande abraço, Helder Miranda
Incrível como é possível fazer um site reconstruíndo locais, situações e até as pessoas que foram preenchendo estes ralis ao longo de semanas e até anos! Todos temos o dever de continuar e de partilhar as nossas próprias memórias destes tempos bem passados.
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